quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Capitães da Areia / Capitães do Asfalto

Esses dias eu peguei o Capitães da Areia - de Jorge Amado - do meu irmão pra ler. Engraçado, ele não é muito da leitura, mas sempre cita esse livro. Dessa vez resolvi ler o livro com outros olhos. Não que eu tenha mudado tudo que eu penso, mas acho que depois das experiências que venho tendo ele pareceu encaixar-se bem.

Pra quem não sabe,o livro conta a história dos Capitães da Areia, um grupo de meninos abandonados de 9 a 16 anos que moram nas ruas da Bahia. Na verdade, eles dormem em seu esconderijo secreto, o trapiche, na companhia dos ratos, sob a lua amarela. Comandados por Pedro Bala, os meninos vivem do furto. E mais do que meninos abandonados, eles conhecem perfeitamente as ruas da cidade, a amam como ninguém. Desde cedo esses meninos são homens. Agem como homens, trapaceiam, roubam, articulam, bebem, derrubam as negrinhas no areal. São muito inteligentes... e carentes.

João Grande, Sem-Pernas, Gato, Professor, Pirulito, Boa-Vida, Barandão, Volta Seca, Pedro Bala e até a menina Dora e o padre José Pedro... São personagens que vivem nas ruas e conhecem a cidade. Eles só tem a eles mesmos. E isso não passa muito longe do meu projeto dos Moradores de Rua. Não estou dizendo que eles furtam ou coisa parecida, mas a situação de abandono nas ruas é semelhante. Seja qual for o motivo que eles moram nas ruas, eles estão sempre felizes por terem alguém com quem conversar de vez em quando.
No livro, quando Sem-Pernas arruma um cachorro é tão real. É como se vê por aí. Os moradores de rua costumam a adotar cães, que eles cuidam muito bem. É lindo de se ver. Essa semana, conheci o Seu José. Ele é um senhor que tem 5 cães. Ele não vai ao abrigo porque não aceitam tantos cachorros, mas ele não os abandona.

Também comecei a associar o padre José Pedro com um lugar interessante que eu fui. É bem perto do viaduto Vinte e Cinco de Março... Lá os moradores podem tomar banho, tem jogos, televisão e o momento de oração. Eles fazem um círculo (do qual eu também participei) cantam músicas de Deus, rezam e contam algumas histórias. Eu sei que, quem me conhece, sabe que eu não sou muito da religião, mas você acaba ficando envolvido por eles estarem tão envolvidos e, com essa fé que acabam criando nessas rodas de Deus, acabam se fortalecendo. No dia em que estive lá, um homem falou que depois que foi lá pela primeira vez se sentiu muito bem, ficou dias sem se drogar e que tinha sido muito legal e por isso resolveu voltar. Nas palavras dele: "Não voltei só pelo café da manhã, voltei por esse momento que temos aqui". As palavras de Deus pelo padre José Pedro despertaram em Pirulito a vontade de se tornar padre.

Nesse dia também, fiquei observando algumas pessoas lendo, pesquisando e anotando informações dos livros que a Tenda (que é o espaço do viaduto) tem. E pensei nas noites que o Professor, do livro, ficava até altas horas com uma vela, lendo os livros que roubava. E lendo pros outros meninos.
Os desenhos que a Tenda tem pendurados em toda sua extensão me lembraram do dom do Professor de desenhar, que o tirou das ruas e o levou até o Rio de Janeiro. A hora das canções, com um violão, um chocalho e uma batucada, me lembrou das rodas de samba de Boa Vida...

Essas comparações foram quase que inevitáveis, espontâneas. Capitães da Areia foi publicado em 1937, mas nunca me pareceu tão atual quanto agora.

(Infelizmente não pude fotografar a Tenda, próximo ao Viaduto, por ser um projeto do Governo, mas fica aqui a foto do cachorro do Seu José)

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

2010, novo tempo

Feliz 2010!

Abrindo a edição desse mês da revista Vida Simples, no espaço Pensando Bem, me deparei com um texto sobre o tempo. Não sei se por causa do fim de ano, começo de ano, eu já andava pensando bastante nesse assunto e a reportagem me fez aprofundar um pouco no assunto.
"A única proeza em que o homem teve sucesso, a respeito do tempo, foi conseguir medi-lo.", diz Eugenio Mussak. Medimos o tempo, passamos o tempo, mas jamais controlamos o tempo. Há tempos que o tempo passa devagar, outros voa. Quando estamos fazendo algo que nos satisfaz, que nos diverte, o tempo passa tão rápido que parece que estamos ali alguns segundos. Mas, quando estamos fazendo algo desagradável, chato e que não nos inspira, o tempo parece palpável. Parece que podemos cortá-lo com uma faca de tão denso que parece que está.

"Bem, sentir e medir o passar do tempo são iniciativas úteis, pois nos ajudam a decidir o que faremos com o tempo que dispomos. (...) Na prática, o que acontece mesmo é exatamente a falta de controle, de ação lógica na organização de suas prioridades. A agenda não escraviza - ao contrário, liberta, confere autonomia possibilidades, alcances. Mas gestão é a segunda palavra-chave. A primeira é escolha. Fazemos nossas escolhas com base em nossos valores e criamos uma estratégia para atingir nossos propósitos. Estratégias dependem de recursos, entre eles, o mais caro e raro: o tempo.", diz Eugenio Mussak.

Ao mesmo tempo que concordo com o que ele disse, não concordo. A agenda realmente ajuda a organizar, liberta em alguns casos, porque você se torna mais organizado e pode te ajudar a dividir o tempo para que você possa fazer o máximo de coisas que puder e quiser. Mas você também perde um pouco da liberdade de agir espontâneamente. Fazer as coisas no momento que você quer. Quer dizer, você é chamado pra um sorvete depois de um longo dia de trabalho, mas precisa recusar, porque atrasará em meia hora o resto da sua agenda. E, claro, nem sempre se consegue seguir a risca tudo que você programa, afinal, os imprevistos existem e de montes. Às vezes um erro pra imprimir, uma batida de carro na rua, uma falta de energia repentina...

Se você não é consciente o suficiente - o que acontece com a maioria de nós - acaba se perdendo entre ser livre pra fazer tudo o que quiser e seguir à risca o programado. A vida com uma agenda certa acaba tornando-se uma rotina o que, para a maioria das pessoas, é algo chato e tedioso. E ao mesmo tempo, aquele que vive fazendo o que quer, a hora que quer, acaba sem tempo pra fazer tudo que precisa fazer. Muitas vezes gasta tempo demais com diversão e de menos com obrigação. E talvez não exista uma fórmula mágica do tempo. Administrá-lo é algo muito complicado, porque não encaixamos os imprevistos e não queremos cair na rotina. Vivemos projetando o futuro, sem saber o que irá acontecer. Talvez nada do que agendamos vá realmente acontecer. O presente, o futuro e o passado estão interligados e interdependentes. Nas palavras de Mussak, "só vivemos no presente mas estamos fortemente conectados ao passado, que nos ensina, e ao futuro, que nos motiva. Viver é estar atado a essa tríade temporal, doce ou amarga, dependendo da consciência de cada um. Fazer as pazes com o tempo é a verdadeira sabedoria".

Então, sem essa baboseira de ficar prometendo o que irei e não irei fazer esse ano. Só estou tentando fazer meu tempo ser um bom tempo.