segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Memórias de uma Gueixa


Independente da correria, do cansaço, eu sempre guardo alguns minutos do dia pra me abstrair de tudo que existe e ler. Semana retrasada Memórias de uma Gueixa, de Arthur Golden, entrou em promoção no Submarino. Resolvi comprar. Já tinha entrado antes, mas quando fui comprar esgotou, mas dessa vez eu consegui! Estava lendo outro livro, mas esqueci em São José e nessa semana passada comecei a ler Memórias de uma Gueixa. E simplesmente não conseguia parar. Estive trabalhando intensamente no meu portfólio da Pan, mas dava uma escapadinha pra ler.

O livro é sensacional. E olha que eu nem sou muito da cultura, mas depois de ler Musashi, acabei me animando.

A história é a de Chiyo, na década de 20, no Japão. Filha de pescadores, com a mãe doente e o pai em idade avançada, ela é vendida para uma okiya de Kyoto. É separada de sua irmã Satsu que acaba indo pra Zona de Prazer por não ter os olhos cinza azulados fascinantes de Chiyo. Chiyo logo é aceita como aluna da escola preparatória para gueixa. Ela começa a vida ali servindo e arquitetando uma maneira de encontrar Satsu e fugir. Com a "ajuda" de Hatsumomo, a gueixa que sustenta o okiya, Chiyo descobre onde está Satsu e marcam de fugir. Hatsumomo arma vários planos para fazer com que Chiyo não se torne uma gueixa, pois sabe que ela tem futuro. Chiyo tenta fugir, mas acaba caindo do telhado e é pega por Mamãe. Suas chances de virar uma gueixa se vão e ela se torna uma escrava da okiya. Vê sua amiga Abóbora (Pumpkin) se tornar uma aprendiz de gueixa e se tornar irmã de Hatsumomo.
Sem esperanças, sabendo que perdeu seus pais e sua irmã nunca mais voltará, Chiyo vive desolada. Não tenta mais fugir e certo dia na praça um homem bom, que chamam de Presidente paga-lhe um sorvete de cereja e lhe dá um lenço. Ele está acompanhado de uma linda gueixa, mas fica encantado com os olhos da menina e com seu olhar desesperado. A partir desse dia, Chiyo resolve que quer se tornar uma gueixa e ter um futuro pra poder se aproximar do presidente de novo.
Depois da morte de Vovó, Chiyo conhece Mameha, uma grande gueixa e rival de Hatsumomo. Essa pede permissão a mamãe para ser a irmã de Chiyo para que ela se torne uma gueixa. Chiyo, sob a tutela de Mameha, torna-se Sayuri, uma grande gueixa no Japão. Conquista a admiração de Nobu, amigo do Presidente. Mas vem a Segunda Guerra Mundial e a faz seguir caminhos diferentes. Mas ela ainda volta a Gion...

O bacana é que além da história de Chiyo, você acaba aprendendo quais eram os costumes das gueixas e da sociedade japonesa da época. As pessoas acabam tendo uma visão errônea das gueixas, mas que, no livro, é esclarecida, gueixa quer dizer artista. Aprendemos sobre as delicadezas e sutilezas que acompanham o movimento dessas mulheres, como um simples olhar pode derrubar um homem e a maneira como os pequenos gestos podem encantar as pessoas.

Bom, depois de ler o livro, fiquei curiosa com o filme. Já tinha assistido trechos dele, mas acabei baixando pra assistir. O livro é rico em detalhes, que ficam mais difíceis de serem visualizados no filme. A história também muda um pouco, mas os incríveis olhos azuis acinzentados e a trajetória da pequena Chiyo contagiam. Os lindos kimonos, o retrato da sociedade japonesa, os costumes, os pavores da 2ª Guerra e o amor.



Vale a pena. Tanto o livro quanto o filme. Ambos são antigos. O livro é de 1997 e o filme de 2005.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

E no metrô Pedro II...

Uma das coisas mais legais do meu trajeto até o Senac Tatuapé são as estações ao ar livre. Você fica longe das paredes dos trilhos subterrâneos e descobre partes de São Paulo que não costuma visitar. É quase como andar de ônibus, mas mais rápido e com uma vista mais superior. Eu já tinha feito o trajeto outras vezes, mas quando se torna rotina você pode analisar cada detalhe.


Mas teve um lugar que me chamou atenção logo no primeiro dia de aula do Senac. Eu reparei em algo entre o metrô Pedro II e a Sé. Era algo estranho. Não sabia se vivia alguém ali, se era um depósito, se era uma casa, se era algo esquecido pelo governo. Não conseguia entender porque aquilo estava ali. Entre a Avenida do Estado, bem próximo ao metrô Pedro II e o Viaduto Vinte e Cinco de Março. Era quase uma ponte. Dali você ia praquela parte da rua que é apenas para ônibus. O lugar tinha calotas de carro, uma montanha de papelão, bonecas, bichos de pelúcias, plantas naturais e artificiais, vassoura, e um monte de pequenas coisas que eu não conseguia enxergar. Parecia um monte de lixo. Acima do rio que eu acredito ser o Tietê, aquele lugar era simplesmente algo a se notar. O portão era um pouco enferrujado e, ao mesmo tempo, levando os tons de azul de um graffiti já meio antigo. Aquele lugar se tornou uma obsessão pra mim. Toda vez que eu passava ali eu ficava tentando ver se tinha alguém ou se as coisas ainda estavam lá. Ficava imaginando o que poderia ser aquele lugar. Por que estava ali e por que ninguém o retirava de lá? Se estivesse abandonado por que não tinham sido tomadas providências?

Vista do Viaduto Vinte e Cinco de Março (Mila Kodaira)

Aí surgiu nosso primeiro trabalho de tema livre em fotografia e eu resolvi tirar a limpo o que era aquele lugar. Fui com aquele pensamento de “independente do que seja” vale a pena conferir. Ou então, quem sabe eu consigo tirar umas fotos do lugar? Fiquei na esperança de conseguir adentrar naquele lugar e tirar umas fotos do caos, da sujeira, das coisas que tinham lá. Fiquei imaginando o lugar como um local para se explorar. Independente se fosse feio ou bonito, era interessante.

Assim que acabou a aula de uma quarta-feira, dia 21, eu parti pra minha missão. A princípio, fiquei um pouco perdida. Assim que achei o lugar fiquei olhando através do portão, bati na portinha, fiquei andando por ali, mas não apareceu ninguém. Conheci uma mulher que vendia água pros motoristas que enfrentavam o trânsito e perguntei a ela sobre ter como entrar ali. Foi assim que descobri que a “casa” tinha uma dona. Uma senhora que, segundo a vendedora de água, era louca. Usava muita maquiagem, muitas bijuterias, falava muito e rápido e ainda gritava sozinha. Ai que eu me animei mais ainda pra conhecer a tal mulher. Falando assim parecia uma personagem. Fiquei sabendo que ela saia todos os dias e só voltava no fim da tarde. Era uma da tarde, o Sol estava brilhando, muito quente e eu achei que esperá-la voltar seria loucura. Andei pelo lugar, vi vários moradores de rua, vi pessoas fazendo xixi no Viaduto Vinte e Cinco de Março, vi roupas penduradas num varal no “jardim” do Metrô Pedro II, o trânsito parando a Avenida do Estado...

Resolvi chegar lá de novo no dia seguinte. Às 16h lá estava eu. Andei, andei e não vi nem a vendedora de água e nem a dona do lugar. Fiquei meio decepcionada porque pensei que já ia encontrá-la. Fiquei tentando ver pelas frestas do portão o meu desejado lugar. Pensei em dar um jeito de entrar, mas achei que, independente do lugar que ela se encontrava, era o lugar de alguém.

Resolvi seguir mais em frente e me deparei com outra senhora morando embaixo do Viaduto Vinte e Cinco de Março. Perguntei à ela sobre a senhora que morava ali na ponte, mas ela só soube me dizer que era uma senhora negra, que não gostava de brancos e que tinha mandado bater nela. Fiquei impressionada com a história e sentei ali na casa dela pra conversar. Ficamos batendo papo por mais de uma hora e assim, eu mal falei, ouvi muito mais. Ela era incrível e o que ela queria era alguém pra poder chorar as pitangas, contar algo. Alguém que a notasse e dispensasse uns minutos do seu dia pra ouvi-la.

São grandes histórias, são sonhos e esperanças de pessoas que não tem nada, mas não perdem a esperança de ter algo. Ela me disse que sonhava voltar a estudar numa escola perto da Sé, “aquela que não tinha sido invadida pelos nóias”. Que se ela estudasse poderia virar uma Delegada, iria pintar o cabelo de loiro, pra combinar com o verde de seus olhos, e ia prender todos aqueles nóias que a insultaram, a chamaram de suja e zoaram com a cara dela. Ela poderia implantar um dente que faltava na frente, ter uma casa e viver bem com sua cadela, Lili, e seu companheiro. Ela tinha tão pouco a oferecer e me ofereceu sua água. Disse que o resto de macarrão que tava na panela era da Lili porque ela tá prenha. Achei tão bacana ela ainda dividir o pouco que tinha com a cachorrinha, porque ela tava precisando bastante. Foi quando ela me perguntou o que eu fazia e eu falei que era estudante. Que estava atrás da moça que morava ali na ponte porque queria fotografar o lugar, mas que, se ela não se importasse, eu queria fotografá-la e fotografar a Lili. Ela ficou super feliz com a ideia e, prometi levar algumas fotos pra ela ver.

A senhora e sua cadela, Lili (Mila Kodaira)

No fim, eu mudei um pouco o rumo do meu trabalho. Minha ideia primária era fotografar aquela "casa" no meio da ponte, mas, a partir do momento que você fala com pessoas, a sua visão muda. Não é só fotografar isso ou aquilo, é tentar ajudar alguém que tá precisando, é dar uma felicidade, mesmo que pequena, pra alguém. Sei lá, parece meio romantizado, mas você fica mais sensibilizado quando vê a realidade assim, na sua cara. Percebe que por trás dessas casas, no mínimo, inusitadas, existem pessoas que podem ser inteligentes, simples, humildes, loucas, sofridas. São aquelas pessoas que não esperam nada de você e quando recebem alguma coisa ficam realmente gratas. Claro, não posso generalizar e dizer que todos são assim, mas muitos são. Você não pode se aproximar delas com medo ou com nojo pelo que elas são, por estarem sujas e abandonadas. Pegar na mão de uma pessoa dessas é fazê-las confiar em você. Enfim, mudei um pouco o rumo do meu trabalho, mas depois de mais algumas saídas acabei encontrando o que eu queria a princípio, mas aí percebi que eu tinha descoberto algo ainda maior. Talvez não seja inovador, nem inédito, mas foi ali que encontrei alguma satisfação.

Me perguntaram bastante sobre medo ou sobre roubar a camera. Sei lá, acho que esse é o tipo de risco que você sempre corre. Estando lá na Paulista no meio da tarde, na Sé, no Morumbi, no Brooklin, no Tatuapé ou então no metrô Pedro II. Se você se prender toda hora essa coisa de te roubarem, você nunca vai sair...

Memórias dos outros dias logo menos...

Lili (Mila Kodaira)

Havaianas Clássicas (Mila Kodaira)